Aprendi esta receita no Alentejo, no tempo em que lá morei.
Recém-casada (com 21 anos !), fui viver para um antigo convento lindíssimo, mesmo em cima da barragem do Maranhão. Um sítio deslumbrante, uma casa de fazer inveja a qualquer um (à beleza somava-se o mistério, porque metade do convento estava em ruínas e apenas a outra metade era habitável) mas também um tédio difícil de engolir para uma urbana activa como eu, habituada à capital e com o firme propósito de iniciar uma carreira profissional. A vida altera-nos os planos sem cerimónias, e tudo me saíu ao contrário: não havia nada para fazer ali a não ser admirar a paisagem, comer e beber. Enfim, tive que inventar ocupações: primeiro atirei-me à casa, que decorei e modifiquei até nada mais ter para alterar. Arranjei quartos e casas de banho (os duches ainda eram daqueles de balde de zinco e corrente para puxar e deixar sair a água); comprei um frigorífico a petróleo (não havia electricidade, a não ser a de um gerador que se desligava às dez da noite) e um fogão novo; do magnífico celeiro abobadado, de chão de laje e paredes de 1,5 m de espessura, fiz uma sala a perder de vista; da antiga cozinha, enorme, uma sala de jantar.
Enquanto duraram as obras da nova cozinha aprendi com a minha caseira a cozinhar na lareira, com trempes de ferro e tachos de cobre e de barro colocados directamente sobre as brasas. Com ela aprendi também a usar o forno de lenha, a fazer queijo fresco com cardo apanhado no campo e, mais importante do que tudo isso, a conhecer e usar as mil ervas com que os alentejanos aromatizam os seus cozinhados. Para cada prato há uma erva específica, que lhe dá um sabor especial: para o peixe de rio, o funcho; para o cabrito, o alecrim; e por aí fora, ou estaria aqui todo o dia a enumerar pratos e ervas. Toda a cozinha portuguesa é boa, mas só no Alentejo se aproveita assim ao máximo todos recursos que a natureza dá. É a imaginação criada pela necessidade, e não há maiores inventores do que aqueles que criam a partir do nada.
Foram 5 anos de uma aprendizagem de vida e de descoberta de um mundo quase perdido no tempo. Não nego que a adaptação não foi fácil. Eu era muito nova e sentia-me presa ali, e só muito mais tarde viria a apreciar devidamente aqueles anos. Por outro lado, tinha a idade certa para viver tudo aquilo como uma aventura excitante: falo de uma época difícil da nossa história recente - a devolução das terras ocupadas aos seus donos, no período pós reforma agrária - em que quase todos os dias recebia ameaças e insultos pelo telefone e em que estava praticamente sozinha até à noite num casarão isolado, semi abandonado e iluminado apenas por velas e candeeiros de petróleo. Hoje guardo gratas lembranças desses tempos de um far west que não era ficção e a memória de ensinamentos preciosos, que fizeram de mim alguém mais preparado para o que der e vier, em quaisquer circunstâncias. Para além, claro, da descoberta de uma paixão que nasceu muito antes, mas só ali se revelou totalmente: a cozinha.
Enquanto duraram as obras da nova cozinha aprendi com a minha caseira a cozinhar na lareira, com trempes de ferro e tachos de cobre e de barro colocados directamente sobre as brasas. Com ela aprendi também a usar o forno de lenha, a fazer queijo fresco com cardo apanhado no campo e, mais importante do que tudo isso, a conhecer e usar as mil ervas com que os alentejanos aromatizam os seus cozinhados. Para cada prato há uma erva específica, que lhe dá um sabor especial: para o peixe de rio, o funcho; para o cabrito, o alecrim; e por aí fora, ou estaria aqui todo o dia a enumerar pratos e ervas. Toda a cozinha portuguesa é boa, mas só no Alentejo se aproveita assim ao máximo todos recursos que a natureza dá. É a imaginação criada pela necessidade, e não há maiores inventores do que aqueles que criam a partir do nada.
Foram 5 anos de uma aprendizagem de vida e de descoberta de um mundo quase perdido no tempo. Não nego que a adaptação não foi fácil. Eu era muito nova e sentia-me presa ali, e só muito mais tarde viria a apreciar devidamente aqueles anos. Por outro lado, tinha a idade certa para viver tudo aquilo como uma aventura excitante: falo de uma época difícil da nossa história recente - a devolução das terras ocupadas aos seus donos, no período pós reforma agrária - em que quase todos os dias recebia ameaças e insultos pelo telefone e em que estava praticamente sozinha até à noite num casarão isolado, semi abandonado e iluminado apenas por velas e candeeiros de petróleo. Hoje guardo gratas lembranças desses tempos de um far west que não era ficção e a memória de ensinamentos preciosos, que fizeram de mim alguém mais preparado para o que der e vier, em quaisquer circunstâncias. Para além, claro, da descoberta de uma paixão que nasceu muito antes, mas só ali se revelou totalmente: a cozinha.
O caldo da meia noite era normalmente servido à ceia, como o nome indica, nas noites de muito frio ou quando tínhamos visitas inesperadas. É uma alternativa original à sopa alentejana que todos conhecem.
Pique bem um ramo de salsa e outro de coentros e ponha numa tijela, com 150g de pão ralado, 150g de queijo duro alentejano também ralado (pode também ser parmesão) e 75g de farinha. Misture bem, tempere de sal, pimenta e noz moscada e junte 4 ovos inteiros ao preparado, voltando a misturar tudo com uma colher de pau. Com as mãos ligeiramente enfarinhadas faça pequenas bolas (do tamanho de uma noz) e disponha-as num prato ou tabuleiro salpicado de farinha, de maneira a não se pegarem umas ás outras.
Prepare 1,5 l de caldo de galinha (pode usar um cubo Knorr ou ferver restos de um frango ou galinha nessa quantidade de água) e, quando estiver a ferver bem, vá deitando dentro as bolinhas com cuidado. Quando sobem à superfície, está pronto. Corrija o tempero e sirva bem quente, numa terrina, com mais queijo ralado por cima. Se quiser fazer deste prato uma refeição sirva sobre pão caseiro cortado fino e ovos escalfados, dispostos previamente no prato.
Aquece o corpo e a alma, acredite.
8 comentários:
Tenho uma óptima para te ensinar, da minha sogrinha. O tal Camenbert à Bulhão Pato e mais uma ou duas receitas malucas de Camenbert quente que ela serve como entrada.
manda-me por mail, deve ser óptimo e eu adoro tudo o que leve queijo.
Acabo de espreitar este seu livro de receitas virtual. Fascinante. Parabéns.
Vai já para a lista de links.
Texto belíssimo.
Obrigado.
Um abraço.
obrigada a todos, tenho abandonado muito este blog por falta de tempo. Mas vou voltar à carga, prometo.
bjs
ana
� uma vergonha o que vou dizer, e os teus leitores v�o-me odiar.
Mas estas receitas, com as hist�rias que contas primeiro, dava um livro espectacular de de cozinha.
Para ter sucesso n�o se poderia s� chamar livro de cozinha, mas....devias pensar nisso.
Estas poucas que li Ana, s�o requintad�ssimas, e as hist�rias lindas.
Ana Vidal! de onde � que conhe�o o teu nome?
N�o conheces ningu�m em editoras?
vou falar com um dos meus filhos que talvez conhe�a algu�m.
Nem sei se est�s interessda, mas estas coisas, falamos nelas e �s vezes nada se consegue.
Marta, já pensei nisso, por acaso. Mas é ridículo apresentar meia dúzia de receitas a uma editora e por enquanto são muito poucas. Conheço editoras, sim, e já publiquei até uma antologia de poemas e de gastronomia. Chamei-lhe "A poesia é para comer", uma frase da Natália Correia. Se calhar é daí que me conheces.
Um beijo
Ana
um dia, contas-me tudo, tudinho?
beijos de marmelada. em ladrilhos. :)
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