A minha tia-bisavó Mimi dizia que esta entrada de alcachofras era "tiro e queda" para impressionar qualquer homem. O tiro era dela, claro está, e a queda, que se pretendia sem retorno, de um candidato à sua mão.
Era o tempo em que os maridos "se conquistavam pelo estômago", como estratégia para chegar-lhes ao coração (às vezes só à carteira, mas o empenhamento era o mesmo). Acho que ela nunca se teria atrevido a classificar esta receita como "afrodisíaca", nem sei mesmo se saberia o significado da palavra, mas, na defesa do uso desta arma mortífera, era a qualquer coisa com esse sentido que as suas palavras apelavam. A tia Mimi devia ser perita na matéria, porque casou três vezes. Nunca lhe perguntei se usou esta receita de todas as vezes, ou se se terá dado ao trabalho de variar na poção mágica.
Devo acrescentar que ela não entrava na cozinha para confeccionar coisa nenhuma, mas apenas para "orientar" a cozinheira bonacheirona e cúmplice, que a adorava. Mas fazia gala em dizer que, em dias de visitas, não saía nada da cozinha sem passar pelo seu crivo implacável. E a coisa impressionava, porque a gorda Ermelinda cozinhava mesmo muito bem.
A verdade, nada irrelevante, é que a tia Mimi tinha uma preciosa ajuda da natureza: era uma mulher linda, de quem se dizia fazer virar todas as cabeças ao subir o Chiado. Era coquette, divertida e esperta quanto bastasse. Não seria um espírito iluminado e culto, mas não me parece que alguma vez tenha sentido essa lacuna, por si própria ou para chegar aos outros. Sempre impecavelmente vestida (nas melhores lojas de Lisboa ou de Paris), lembro-me de que cheirava a alfazema e madeiras exóticas, odores reunidos numa mistura preparada em exclusivo para ela e que ela própria baptizara de "Vertige". O nome não seria, como se calcula, completamente inocente.
O primeiro marido, curiosamente, morreu de uma congestão. Mas não consta que tenha sido a comer estas alcachofras, já que o seu estatuto de presa estava garantido havia sete anos quando se deu a tragédia. Mimi enviuvou aos vinte e quatro anos, muito a tempo, portanto, de brincar de Lucrécia Bórgia por mais alguns. Três anos depois, cumprido o luto obrigatório, estava novamente casada com um engenheiro de pontes, amigo do primeiro marido e muito solícito na recuperação da viúva. E quando este foi encontrado no fundo de uma ravina, em Angola, pouco mais de dois anos depois do enlace, a tia Mimi chorou algum tempo e depois consolou-se com o jovem médico de família, uma aquisição útil para uma velhice confortável. Teve-a, de facto, porque morreu aos noventa e seis anos e ainda a conheci bonita e doce. Talvez porque, com este último marido, foi finalmente muito feliz.
Anote a fórmula mágica, quem sabe se um dia lhe será útil também: 12 alcachofras pequenas
3 dentes de alho picados
1 limão
200g de presunto em cubinhos
azeite q.b.
sal e pimenta
200g de pinhões torrados
Torrar os pinhões numa frigideira sem gordura e reservar. Tirar as folhas exteriores das alcachofras e cortar as pontas, de cima e de baixo, deixando ficar só as folhas brancas. Esfregar estas muito bem com um limão cortado ao meio, para não escurecerem. Cozer em água abundante, com muito sal, por cerca de 15 min ou até ficarem tenras. Escorrer bem. Refogar o alho, juntar o presunto e depois as alcachofras para aquecer. Corrigir o tempero, se precisar, e envolver tudo, juntar os pinhões e servir quente.
Era o tempo em que os maridos "se conquistavam pelo estômago", como estratégia para chegar-lhes ao coração (às vezes só à carteira, mas o empenhamento era o mesmo). Acho que ela nunca se teria atrevido a classificar esta receita como "afrodisíaca", nem sei mesmo se saberia o significado da palavra, mas, na defesa do uso desta arma mortífera, era a qualquer coisa com esse sentido que as suas palavras apelavam. A tia Mimi devia ser perita na matéria, porque casou três vezes. Nunca lhe perguntei se usou esta receita de todas as vezes, ou se se terá dado ao trabalho de variar na poção mágica.
Devo acrescentar que ela não entrava na cozinha para confeccionar coisa nenhuma, mas apenas para "orientar" a cozinheira bonacheirona e cúmplice, que a adorava. Mas fazia gala em dizer que, em dias de visitas, não saía nada da cozinha sem passar pelo seu crivo implacável. E a coisa impressionava, porque a gorda Ermelinda cozinhava mesmo muito bem.
A verdade, nada irrelevante, é que a tia Mimi tinha uma preciosa ajuda da natureza: era uma mulher linda, de quem se dizia fazer virar todas as cabeças ao subir o Chiado. Era coquette, divertida e esperta quanto bastasse. Não seria um espírito iluminado e culto, mas não me parece que alguma vez tenha sentido essa lacuna, por si própria ou para chegar aos outros. Sempre impecavelmente vestida (nas melhores lojas de Lisboa ou de Paris), lembro-me de que cheirava a alfazema e madeiras exóticas, odores reunidos numa mistura preparada em exclusivo para ela e que ela própria baptizara de "Vertige". O nome não seria, como se calcula, completamente inocente.
O primeiro marido, curiosamente, morreu de uma congestão. Mas não consta que tenha sido a comer estas alcachofras, já que o seu estatuto de presa estava garantido havia sete anos quando se deu a tragédia. Mimi enviuvou aos vinte e quatro anos, muito a tempo, portanto, de brincar de Lucrécia Bórgia por mais alguns. Três anos depois, cumprido o luto obrigatório, estava novamente casada com um engenheiro de pontes, amigo do primeiro marido e muito solícito na recuperação da viúva. E quando este foi encontrado no fundo de uma ravina, em Angola, pouco mais de dois anos depois do enlace, a tia Mimi chorou algum tempo e depois consolou-se com o jovem médico de família, uma aquisição útil para uma velhice confortável. Teve-a, de facto, porque morreu aos noventa e seis anos e ainda a conheci bonita e doce. Talvez porque, com este último marido, foi finalmente muito feliz.
Anote a fórmula mágica, quem sabe se um dia lhe será útil também: 12 alcachofras pequenas
3 dentes de alho picados
1 limão
200g de presunto em cubinhos
azeite q.b.
sal e pimenta
200g de pinhões torrados
Torrar os pinhões numa frigideira sem gordura e reservar. Tirar as folhas exteriores das alcachofras e cortar as pontas, de cima e de baixo, deixando ficar só as folhas brancas. Esfregar estas muito bem com um limão cortado ao meio, para não escurecerem. Cozer em água abundante, com muito sal, por cerca de 15 min ou até ficarem tenras. Escorrer bem. Refogar o alho, juntar o presunto e depois as alcachofras para aquecer. Corrigir o tempero, se precisar, e envolver tudo, juntar os pinhões e servir quente.
9 comentários:
Que bela evocação! E o «Vertige», notável...
raa,
Obrigada, a tia Mimi era mesmo assim, impagável. e linda, mesmo.
Vou pôr um link para si na Porta do Vento, vizinho.
abraço
ana
vamos experimentar esta receita.pusemos o teu blog nos meus favoritos, o dos cozinhados apenas.o meu bisavô era um grande gastronomo , depois enviamos te umas receitas para se gostares juntar ao teu lindo blog
beijs jooes
Obrigada, amigos. Cá as espero.
beijos aos dois
ana
Obrigado. Também vai estar no Abencerragem; A Caverna precisa de tempo para ser arrumada. Até breve, vizinha, e outro abraço.
Ricardo
Muito bom.
Um abraço.
Não é do meu tempo, a tia Mimi. Era irmã de quem?
Irmã das "tias", chamava-se Amélia e vivia em Oeiras.
"com este último marido, foi finalmente muito feliz"
digo eu que com os outros não chegou a ter tempo de o ser :-)
delicioso de ler
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