segunda-feira, 4 de junho de 2007

Bolo do paraíso



O bolo do paraíso era uma receita das "tias", que sempre me lembro de comer em dias de festa.
Elas eram citadas sempre assim, no plural - "as tias" - porque viviam juntas e eram duas irmãs quase da mesma idade. Provincianas, solteironas e beatas, tinham fechado no baú do tempo, junto com os enxovais intactos, as românticas ilusões de juventude. Em tudo eram parecidas com as tias do Vasco Santana (no filme A Canção de Lisboa), e todos nós brincávamos com isso.
A casa das tias era, na terra, uma instituição de respeito: de lá saíam refeições quentes para a Sopa dos Pobres, fatos e asas de anjo para a procissão do Senhor dos Passos, ramos de flores e toalhas de bordados e rendas para os altares da igreja (impecavelmente passadas a ferro de brasas, com goma feita em casa), cartas ditadas e escritas com esmero para os ausentes de quem não sabia ler, roupas passajadas e abafos para suavizar os invernos dos "seus" pobres.
Forjada a esperança de um casamento - vários houve que quase se desenharam, mas nenhum vingou - todo o desvelo que estava guardado para marido e filhos foi dedicado a Deus, numa entrega em que se misturavam responsabilidade e orgulho. Mas não só a Deus. Também ao meu pai, sobrinho que ajudaram a criar e que encheram de mimos exagerados, que só uma boa índole não deixou que o transformassem num ser insuportavelmente egoísta.
Mas adiante. Também eu e os meus irmãos beneficiámos dos mimos das "tias", e o bolo do paraíso lembra-me os melhores momentos de uma tranquila infância na província, um tempo em que os dias corriam placidamente, ao sabor e ritmo das nossas descobertas.
Espero que vos saiba tão bem como a mim me sabe, ainda hoje. E vamos à receita:

Batem-se muito bem 400 gr de açucar (pois é, não se pode dizer que seja light...) com outro tanto peso de amêndoas cruas, peladas e moídas, e 12 gemas de ovos. Das claras, separam-se 4 que se batem em castelo (o resto guarda-se para outros bolos, excepto 2 que vão ser precisas para a cobertura) e se juntam ao creme anterior, continuando a bater. Por fim, 100 gr de farinha de trigo, acrescentados a pouco e pouco, misturando tudo muito bem. Vai ao forno numa forma de buraco grande até estar bem cozido, deixa-se arrefecer e barra-se com um glacé feito com 2 claras e 250 gr de açucar, bem batido até ficar consistente.

Nota 1: O bolo fica grande. Se quiser fazer apenas 1/2 receita, dá um bolo de tamanho regular.

Nota 2: Convém fazer de véspera, para que a cobertura seque bem. Fica húmido por dentro.

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