Este blog mudou-se para o SAPO: http://pasteisdenada.blogs.sapo.pt/
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
sábado, 6 de setembro de 2008
Russo da Russa
A Rosa, já o disse por aí, está há tantos anos connosco que faz parte da família. Veio um dia para casa das "tias" - já lá vão mais de setenta anos - para brincar com o meu pai, e nunca mais se foi embora. Pelo caminho, criou-nos a todos (a mim e aos meus irmãos) e depois aos nossos filhos. Com um bocadinho de sorte, e todos nós gostaríamos que isso acontecesse, ainda há-de conhecer os nossos netos. A Rosa é do tempo em que havia "criadas" e não "empregadas", palavra que significa, literalmente, alguém que era criado numa casa, juntamente com as crianças dessa casa. Não era um emprego, era uma vida.
Quando as minhas tias a levaram para casa, a Rosa era uma de sete irmãos muito brancos, muito loiros e muito, muito pobres. Tinham ascendência alemã, o que, numa terra ribatejana de peles tisnadas, bigodes e patilhas tão negros como os toiros da lezíria, era uma absoluta extravagância. Por isso eram conhecidos como "os russos", um bando de aves raras entregue a si próprio, porque os pais se matavam a trabalhar para criá-los com o mínimo dos mínimos e não sobrava nem um segundo para olhar por eles. É claro que a Rosa, tal como os irmãos, fugia da escola porque tinha coisas muito mais interessantes para fazer, como apanhar fruta das árvores ou correr atrás dos gatos da vizinhança. Eu teria feito o mesmo, se pudesse.
Nunca quis aprender a ler, nunca se interessou pelo assunto. Três gerações consecutivas o tentaram aplicadamente, mas o máximo que conseguimos foi que ela aprendesse a escrever o próprio nome e a juntar algumas letras de imprensa, garrafais, em palavras simples. Só há pouco tempo, e por via da culinária, se convenceu a treinar um pouco mais a leitura. Muito a custo, e só porque é uma cozinheira de mão cheia e gosta de experimentar receitas novas, nem sempre tendo à mão quem lhas leia nos livros de cozinha. É engraçado ouvi-la ler as receitas, soletrando cada sílaba até fazer sentido no conjunto, numa operação que pode demorar vários minutos por palavra. Apanha, às vezes, um daqueles panfletos publicitários que aparecem na caixa do correio e põe-se a ler alto, sí-la-ba a sí-la-ba, até ficar cansada ou um de nós desatar a rir.
Além de cozinhar e passar a ferro como ninguém, a Rosa faz rendas. Das suas mãos já saíram quilómetros de verdadeiras filigranas de linha Âncora número 60 (finíssima!), com os desenhos mais imaginativos e intrincados. Um destes dias perguntei-lhe que renda estava a fazer agora. Foi buscar o saco, para me mostrar. No meio das linhas e agulhas vi um livro, e fiquei curiosa: nunca tinha visto tal coisa nas mãos dela. Escondeu-o no bolso do avental e disse-me, corada, que andava a treinar a leitura às escondidas e que aquele livro era fininho, por isso não a assustava. Tinha-o apanhado lá por casa, ninguém estava a lê-lo e ela não queria que se soubesse. E já tinha lido uma parte: em três pinceladas cómicas contou-me uma história, mais ou menos confusa, até ao ponto a que chegara. Não tinha passado ainda das primeiras páginas mas estava entusiasmada.
Fiquei impressionada. Fiz-lhe ver a importância daquilo, enquanto ela se ria da minha solenidade: “Rosa, é o teu primeiro livro, isto tem de ser comemorado!” E obriguei-a a mostrar-me o livrinho, o que demorou algum tempo. Quando finalmente o tive nas mãos, abri a boca de espanto: a Rosa, sem ninguém saber (nem ela própria…), fez jus à alcunha de infância e estreou-se... com um conto de Tchékov!
Quando as minhas tias a levaram para casa, a Rosa era uma de sete irmãos muito brancos, muito loiros e muito, muito pobres. Tinham ascendência alemã, o que, numa terra ribatejana de peles tisnadas, bigodes e patilhas tão negros como os toiros da lezíria, era uma absoluta extravagância. Por isso eram conhecidos como "os russos", um bando de aves raras entregue a si próprio, porque os pais se matavam a trabalhar para criá-los com o mínimo dos mínimos e não sobrava nem um segundo para olhar por eles. É claro que a Rosa, tal como os irmãos, fugia da escola porque tinha coisas muito mais interessantes para fazer, como apanhar fruta das árvores ou correr atrás dos gatos da vizinhança. Eu teria feito o mesmo, se pudesse.
Nunca quis aprender a ler, nunca se interessou pelo assunto. Três gerações consecutivas o tentaram aplicadamente, mas o máximo que conseguimos foi que ela aprendesse a escrever o próprio nome e a juntar algumas letras de imprensa, garrafais, em palavras simples. Só há pouco tempo, e por via da culinária, se convenceu a treinar um pouco mais a leitura. Muito a custo, e só porque é uma cozinheira de mão cheia e gosta de experimentar receitas novas, nem sempre tendo à mão quem lhas leia nos livros de cozinha. É engraçado ouvi-la ler as receitas, soletrando cada sílaba até fazer sentido no conjunto, numa operação que pode demorar vários minutos por palavra. Apanha, às vezes, um daqueles panfletos publicitários que aparecem na caixa do correio e põe-se a ler alto, sí-la-ba a sí-la-ba, até ficar cansada ou um de nós desatar a rir.
Além de cozinhar e passar a ferro como ninguém, a Rosa faz rendas. Das suas mãos já saíram quilómetros de verdadeiras filigranas de linha Âncora número 60 (finíssima!), com os desenhos mais imaginativos e intrincados. Um destes dias perguntei-lhe que renda estava a fazer agora. Foi buscar o saco, para me mostrar. No meio das linhas e agulhas vi um livro, e fiquei curiosa: nunca tinha visto tal coisa nas mãos dela. Escondeu-o no bolso do avental e disse-me, corada, que andava a treinar a leitura às escondidas e que aquele livro era fininho, por isso não a assustava. Tinha-o apanhado lá por casa, ninguém estava a lê-lo e ela não queria que se soubesse. E já tinha lido uma parte: em três pinceladas cómicas contou-me uma história, mais ou menos confusa, até ao ponto a que chegara. Não tinha passado ainda das primeiras páginas mas estava entusiasmada.
Fiquei impressionada. Fiz-lhe ver a importância daquilo, enquanto ela se ria da minha solenidade: “Rosa, é o teu primeiro livro, isto tem de ser comemorado!” E obriguei-a a mostrar-me o livrinho, o que demorou algum tempo. Quando finalmente o tive nas mãos, abri a boca de espanto: a Rosa, sem ninguém saber (nem ela própria…), fez jus à alcunha de infância e estreou-se... com um conto de Tchékov!
Massa: 6 ovos; 10 colheres de sopa de açucar; 90 nozes; 90 amêndoas; 2 colheres de sopa de farinha; margarina para untar o tabuleiro; farinha para polvilhar. Recheio: 250g de natas para bater; 6 colheres de açucar; 1 pitada de baunilha em pó. Cobertura: icing sugar.
Unta-se e polvilha-se um tabuleiro de forno. Batem-se as gemas com o açucar até ficar um creme branco, e as claras em castelo firme. Picam-se as amêndoas (com pele) e as nozes e misturam-se com a gemada. Finalmente, juntam-se as claras alternando com a farinha. Vai ao forno já quente, a 180º. Retira-se antes de estar completamente cozido (quando o palito com que se espeta a massa ainda vem húmido), deixa-se arrefecer e depois corta-se ao meio, transversalmente. Faz-se o chantilly bem firme (com as natas, o açucar e a baunilha) e com ele cobre-se uma das metades do bolo, tapando com a outra. Cobre-se todo o bolo com icing sugar.
Nota1: Pode também cortar-se em quadrados e envolvê-los no icing sugar)
Nota 2: Também no Porta do Vento
sexta-feira, 21 de dezembro de 2007
Chutney de coentros Globetrotter
A tia Lourdes, tal como a minha mãe (as duas únicas filhas dos meus avós maternos), teve uma educação bastante diferente da que era dada habitualmente às meninas de família. Ambas seguiram do liceu para a universidade e ambas concluiram, brilhantemente, cursos pouco procurados por mulheres, nessa época: Medicina a minha mãe, Belas Artes a tia Lourdes. Filhas de um advogado exigente e de gostos sofisticados - respirara ainda o crepúsculo do fausto proporcionado pelo cacau de São Tomé e Príncipe, vindo da roça da família - do pai receberam essa liberdade e esse desafio: serem autónomas, terem uma profissão. Da minha mãe falarei noutra altura destes apontamentos, hoje a ribalta é da tia Lourdes.
Desde muito cedo revelou talento para o desenho. Depois da escola António Arroio, estudou pintura e escultura em Lisboa e depois no Porto, onde o curso superior era mais conceituado. Foi contemporânea dos maiores nomes das artes plásticas nacionais, hoje considerados grandes mestres. Aluna aplicada e muito elogiada por professores e colegas, pelo traço forte e cheio de personalidade, acabou o curso com notas altíssimas e esperava-a um futuro sorridente no mundo que escolhera e onde se sentia como peixe na água. Praticou em ateliers famosos e tinha amigos divertidos e boémios, apesar do recato a que o seu estatuto e uma sociedade fechada a obrigavam.
Mas a vida trocou-lhe as voltas, como muitas vezes acontece. Ao escritório da Rua de S. Nicolau, na Baixa, onde o meu avô exercia advocacia, foi parar um estagiário muito especial: um goês, brâmane orgulhoso e de olhar penetrante, de seu nome Prabacar Visvambor Canencar (um nome que originou saborosas e infindáveis versões nas bocas por onde passava, na nossa família). Era um de muitos irmãos, todos rapazes, enviados pelos pais para a Europa e Estados Unidos para estudar, o que em Pangim não teriam conseguido fazer com igual sucesso. Ele foi o único que rumou a Portugal, para estudar direito. E a tia Lourdes apaixonou-se por aquele homem diferente, um novo desafio que lhe mudou a vida por completo. Correram o mundo em comissões de serviço dele, como juíz: por África e Ásia, dois anos em cada sítio onde os portugueses tinham posto o pé e a que chamaram seu, séculos antes.
Perdemo-los de vista por muito tempo, mas um dia voltaram. No porão do navio que os trouxe de Timor, uma enorme quantidade de quadros que a tia Lourdes pintara, bebendo nas mil cores e formas exóticas a inspiração daqueles anos de globetrotter. Faria uma grande exposição, quando chegasse a Lisboa. De lá, preparara as coisas e tudo estava a postos. Ainda tinha bons contactos. Mas o desatre aconteceu: o porão inundou-se e a água salgada arruinou as delicadas telas e aguarelas que ansiavam pelas luzes de uma galeria de arte. E já não houve exposição. E, muito pior do que isso, a tia Lourdes nunca mais quis pintar ou esculpir, fosse o que fosse. Começou a dar aulas de desenho e foi uma professora dedicada, por muito tempo. Hoje tem oitenta e seis anos, e continua uma mulher de armas.
Do tio Canencar, que já morreu há muitos anos, guardo na memória as conversas inteligentes que tinha connosco (não tinham filhos, e a sua paciência com crianças era limitada) os livros (muitos deles viajavam sempre com ele, em malas especiais que se transformavam em estantes provisórias, durante as viagens) e a iniciação às delícias da gastronomia goesa, de que era um fervoroso apaixonado. Essa veia de gourmet (também adorava a boa cozinha tradicional portuguesa) valeu-lhe uma cumplicidade com o meu pai que durou toda a vida de ambos. O tio Canencar levava-nos aos melhores restaurantes indianos de Lisboa e ensinava-nos a apreciar cada sabor, cada subtil mistura. Com ele aprendi, por exemplo, que um bom caril não é feito apenas com aquele pó amarelo que conhecemos (e onde pensamos que está tudo o que é preciso), mas com um lote de ingredientes frescos, escolhidos a dedo e em medidas sábias, que fazem desse prato uma especialidade requintadíssima. Cada família tem o seu segredo para o "caril", tal como acontece por cá com as receitas conventuais, por exemplo. Além de muito condimentada, a cozinha indiana é enriquecida com chutneys e achards que potenciam a riqueza dos pratos. São, geralmente, de confecção muito simples, mas é nas proporções dos ingredientes que está toda a diferença. Com o tempo, a tia Lourdes aprendeu a fazê-los na perfeição. Um deles - um chutney de coentros - é a receita que aqui deixo hoje.
1 bom molho de coentros; 2 colheres de sopa de coco ralado; 1 pimento verde cortado aos bocados; 1 bocado de gengibre ralado (mais ou menos 1 colher de sopa); 2 dentes de alho; 1 cebola pequena; sumo de 1 limão; sal qb; 1 colher de café de açucarMoer tudo com o pilão ou na picadora, até obter uma pasta boa para barrar. Guardar em frasco de vidro, de preferência no frigorífico (depois de encetar o frasco).
Manter fresco.
Nota: Este chutney é excelente para acompanhar carnes gordas, ou mesmo peixe. É uma óptima alternativa ao tradicional chutney de manga verde.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
Pasteis de... tudo
Pegue num punhado de lembranças de conserva e leve a lume brando em água de memórias, deixando ferver lentamente até que todas venham ao de cima. Aromatize com humor e ternura em partes iguais, junte imaginação qb. para dar colorido e deixe que ganhem volume. Reserve por algum tempo, mas não demasiado. Deve ficar uma massa delicada mas consistente, branda e sensível ao tacto. Não deixe esfriar, e vá moldando pequenos instantes (ou grandes, conforme a preferência e o apetite) de formas variadas, recheando-os a gosto com surpresas e inspirações de momento. Tudo fica bem como recheio: picante, doce e agri-doce, dependendo do gosto dos comensais. Sirva quente, polvilhado de fantasia para decorar (os enfeites são essenciais para o êxito desta receita).
Nota: Esta é uma receita diferente das que aqui costumam aparecer. Não é para cozinheiros preguiçosos e exige muita dedicação e conhecimentos profundos de arte culinária. Mas compensa tudo. Experimente. Faça uma surpresa a alguém, este Natal.
sábado, 20 de outubro de 2007
Empada de Pato à Sissi da Baviera
Éramos um bando. Indisciplinado, barulhento, alegre, muitas vezes quase maltrapilho, de tanto subir árvores e correr no campo, em completa liberdade. Entre rapazes e raparigas, todos primos direitos, éramos 17. De todas as idades, de todos os tamanhos, de todos os feitios. Juntávamo-nos sempre, ao jantar de Domingo, em casa da Avó. E era uma festa. Vinham os que moravam ali mesmo ao pé e os que moravam longe, os que ainda não tinham saído de casa e os que estudavam nos colégios internos - os mais velhos. O jantar na Avó obedecia a rituais sagrados: a grande mesa rectangular posta na diagonal da casa de jantar, para cabermos todos sentados; a divisão, a meio, entre os "crescidos" e os "miúdos" - um appartheid bem aceite por todos, até com algum alívio; a proibição de levantar da mesa até que a Avó o decretasse, com alguma solenidade. A longa espera - era como parecia à nossa sempiterna fome de crianças - até que as travessas chegassem ao nosso lado da mesa (o último a ser servido, claro), era compensada pela relativa liberdade de movimentos e tagarelice, já que o "controle" dos pais estava afastado e ocupado com conversas de adultos, do outro lado da barricada.
O bando tinha a sua hierarquia, bem definida pelas idades. E as regras eram simples e leoninas, como o são sempre nesses grupos: os mais velhos mandam, os mais novos obedecem. A minha prima Rosarinho era dos "do meio": nem dos primos mais velhos (que ditavam as regras) nem daqueles que eram considerados bebés e ainda não tinham voto na matéria. Esse era um dos seus azares, a idade. O outro, bem maior, era o facto de ser filha única. A única filha única, aliás. Era a mais vigiada, a mais vítima da ansiedade dos pais, a mais protegida de todos nós. Só quando conseguia diluir-se no bando se libertava um bocadinho da atenção excessiva de que era alvo. Foi dos primeiros de nós a urbanizar-se: depois de uma passagem de alguns anos pelo Alentejo, os meus tios foram viver para Lisboa. E foi na cidade que ela encontrou verdadeiramente o seu espaço: respirou fundo, tomou balanço e voou sozinha. Enfim, transformou-se numa mulher independente, segura, completamente autónoma. E divertida. Não é, exactamente, uma típica fada do lar. Nem faz questão disso, porque tem muito mais que fazer. Diz, com graça, que dos trabalhos domésticos só gosta de arranjar jarras de flores e que, nisso, "saíu à Sissi da Baviera, mas sem buço". Mas não é verdade. Também cozinha quando quer, e bem. Esta "Empada de Pato à Sissi" (que ela inventou e baptizou) é um bom exemplo disso. Curiosamente, foi ela que herdou a casa da Avó, reduto das mais doces memórias de infância de todo o bando. Voltou às origens, pelo menos aos fins de semana. E não foi, certamente, por acaso. ½ pato cozido, desossado e desfiado (pela Maria, que esta é a parte chata)
1 embalagem de cogumelos frescos
1 molho grande de coentros
1 pacote de natas
2 embalagens de massa folhada fresca
(para uma forma de tarte de 26cm de diâmetro)
Salteio os cogumelos em azeite e 3 ou 4 destes de alho, junto o pato e os coentros. Para aveludar, junto 1 pacote de natas. E tempero… com pozinhos de perlimpimpim (pimenta, cebolinho, e sei lá, o que apetecer na altura).
Ponho na forma de tarte que já forrei com uma das massas, cubro com a outra massa, e forno com a empada.
É um sucesso e fica lindamente com uma boa salada de tudo (alface de várias qualidades, espinafres crús, rúcula, nozes, passas, e mais o que a imaginação quiser…)
O bando tinha a sua hierarquia, bem definida pelas idades. E as regras eram simples e leoninas, como o são sempre nesses grupos: os mais velhos mandam, os mais novos obedecem. A minha prima Rosarinho era dos "do meio": nem dos primos mais velhos (que ditavam as regras) nem daqueles que eram considerados bebés e ainda não tinham voto na matéria. Esse era um dos seus azares, a idade. O outro, bem maior, era o facto de ser filha única. A única filha única, aliás. Era a mais vigiada, a mais vítima da ansiedade dos pais, a mais protegida de todos nós. Só quando conseguia diluir-se no bando se libertava um bocadinho da atenção excessiva de que era alvo. Foi dos primeiros de nós a urbanizar-se: depois de uma passagem de alguns anos pelo Alentejo, os meus tios foram viver para Lisboa. E foi na cidade que ela encontrou verdadeiramente o seu espaço: respirou fundo, tomou balanço e voou sozinha. Enfim, transformou-se numa mulher independente, segura, completamente autónoma. E divertida. Não é, exactamente, uma típica fada do lar. Nem faz questão disso, porque tem muito mais que fazer. Diz, com graça, que dos trabalhos domésticos só gosta de arranjar jarras de flores e que, nisso, "saíu à Sissi da Baviera, mas sem buço". Mas não é verdade. Também cozinha quando quer, e bem. Esta "Empada de Pato à Sissi" (que ela inventou e baptizou) é um bom exemplo disso. Curiosamente, foi ela que herdou a casa da Avó, reduto das mais doces memórias de infância de todo o bando. Voltou às origens, pelo menos aos fins de semana. E não foi, certamente, por acaso. ½ pato cozido, desossado e desfiado (pela Maria, que esta é a parte chata)
1 embalagem de cogumelos frescos
1 molho grande de coentros
1 pacote de natas
2 embalagens de massa folhada fresca
(para uma forma de tarte de 26cm de diâmetro)
Salteio os cogumelos em azeite e 3 ou 4 destes de alho, junto o pato e os coentros. Para aveludar, junto 1 pacote de natas. E tempero… com pozinhos de perlimpimpim (pimenta, cebolinho, e sei lá, o que apetecer na altura).
Ponho na forma de tarte que já forrei com uma das massas, cubro com a outra massa, e forno com a empada.
É um sucesso e fica lindamente com uma boa salada de tudo (alface de várias qualidades, espinafres crús, rúcula, nozes, passas, e mais o que a imaginação quiser…)
domingo, 14 de outubro de 2007
Dip dos Elfos Alentejanos
Falo-vos hoje da minha prima Catarina. A Catarina é uma mulher das Arábias. Não. Reformulo: A Catarina é uma mulher das Neves Eternas. Também não. Reformulo: A Catarina é uma mulher das Estepes. Ainda não. Reformulo: A Catarina é uma cidadã do Mundo. Assim é que é. Chamamos-lhe Catarina, a Grande, porque é pequenina e esperta como os Duendes, misteriosa e sábia como os Druidas, frágil e poderosa como os Elfos, bela e imprevisível como as Valquírias, simultaneamente Filha e Mãe de todos os seres que povoam as florestas que guardam as suas raízes. É na mágica Irlanda que elas estão, ainda intactas, lançando-lhe no vento um apelo eterno. Chegou-nos um dia, envolta ainda nas insondáveis brumas das lendas nórdicas, a desafiar o sol e o azul inebriante deste reino do sul. E num instante se fundiu nele e lhe pertenceu por inteiro. Não. Reformulo: Não por inteiro, porque ela não é de nenhum lugar. São os lugares que lhe pertencem, que se fazem seus por vontade própria. Porque não lhe resistem, porque é impossível resistir-lhe.
Quem olha para ela, incauto, não dá nada pela figurinha aparentemente comum. Enorme erro: é uma Loba. Uma mulher inteligente, feliz e realizada. Já amou muito, já sofreu muito, já viveu muito. E de todas as experiências, boas e más, soube tirar preciosas lições. Já fez de tudo um pouco, desde ocupar cargos de grande responsabilidade (é bióloga e economista) até limpar escadas e rabos de meninos alheios. É, verdadeiramente, uma mulher dos sete instrumentos. Hoje toca apenas, por opção, aquele de que mais gosta: um monte no Alentejo, perto de Vila Viçosa, onde reencontrou o seu território sagrado. Entre ervas de cheiro, ribeiros e árvores milenares, descobriu o cenário ideal para as poções mágicas que cozinha em segredo. Porque também gosta de cozinhar, claro. Como nós, os parentes latinos. Este "Dip de chouriço e vinho do Porto" é um dos seus sortilégios. Prove-o e nunca mais será o mesmo. Quer apostar? Aqui fica a receita, tal e qual como ela a ensina:
Colocar no 123 (picadora de emoções) um belo paio alentejano (mais ou menos com 250 gr), um raminho de salsa e outro de coentros, sal (só se for preciso!) e alguns grãos de pimenta acabada de trogloditar no seu moinho. Depois, juntar esta triturada aromática a uma embalagem de queijo creme (250 gr) e mais dois iogurtes naturais. Podem também juntar-se alguns espargos picados. A seguir, fazer esperar as papilas durante 24 horas, enquanto, no frigorífico, o preparado se inter-penetra devagarinho, cada ingrediente pelos outros, sob o êxtase de lauto festim próximo! E no fim, antes de servir: embebedar tudo com uma boa dose (meio cálice) de Ebrium Portum (vulgus: vinho do Porto), e .... correr para a mesa... a entrada vai ser servida!
Nota: O dip deve ficar espesso, e serve-se com tiras de pão de várias qualidades e outras de pera rocha, que se mergulham no creme.
Quem olha para ela, incauto, não dá nada pela figurinha aparentemente comum. Enorme erro: é uma Loba. Uma mulher inteligente, feliz e realizada. Já amou muito, já sofreu muito, já viveu muito. E de todas as experiências, boas e más, soube tirar preciosas lições. Já fez de tudo um pouco, desde ocupar cargos de grande responsabilidade (é bióloga e economista) até limpar escadas e rabos de meninos alheios. É, verdadeiramente, uma mulher dos sete instrumentos. Hoje toca apenas, por opção, aquele de que mais gosta: um monte no Alentejo, perto de Vila Viçosa, onde reencontrou o seu território sagrado. Entre ervas de cheiro, ribeiros e árvores milenares, descobriu o cenário ideal para as poções mágicas que cozinha em segredo. Porque também gosta de cozinhar, claro. Como nós, os parentes latinos. Este "Dip de chouriço e vinho do Porto" é um dos seus sortilégios. Prove-o e nunca mais será o mesmo. Quer apostar? Aqui fica a receita, tal e qual como ela a ensina:
Colocar no 123 (picadora de emoções) um belo paio alentejano (mais ou menos com 250 gr), um raminho de salsa e outro de coentros, sal (só se for preciso!) e alguns grãos de pimenta acabada de trogloditar no seu moinho. Depois, juntar esta triturada aromática a uma embalagem de queijo creme (250 gr) e mais dois iogurtes naturais. Podem também juntar-se alguns espargos picados. A seguir, fazer esperar as papilas durante 24 horas, enquanto, no frigorífico, o preparado se inter-penetra devagarinho, cada ingrediente pelos outros, sob o êxtase de lauto festim próximo! E no fim, antes de servir: embebedar tudo com uma boa dose (meio cálice) de Ebrium Portum (vulgus: vinho do Porto), e .... correr para a mesa... a entrada vai ser servida!
Nota: O dip deve ficar espesso, e serve-se com tiras de pão de várias qualidades e outras de pera rocha, que se mergulham no creme.
sábado, 29 de setembro de 2007
Marquisette, a aristocrata
Já o disse aqui: todo o mulherio lá de casa (com a honrosa excepção da minha mãe) sempre gostou de cozinhar. De comer, nem se fala. Somos quatro irmãs e só um irmão, por sinal o mais novo e com uma enorme diferença de idade.
Na minha família, a cozinha sempre foi - à boa moda da província, tão cheia de atavismos cravados na pele como ferretes - um território de mulheres. Os homens das gerações até à minha sempre passaram por lá como turistas, com um misto de curiosidade, respeito e temor, mas também com a indisfarçável superioridade de quem não precisa de conhecer os meios para usufruir plenamente dos fins. Não me lembro nunca de ver o meu pai (para já não falar do meu avô...) a meter um dedo impaciente nas massas ainda cruas dos bolos do Natal, ou a destapar panelas e tachos ao lume, antecipando os prazeres que lhe abririam as portas do paraíso dali a uma ou duas horas. Quando muito, lembro-me talvez de vê-lo espreitar, em dias de festa, por uma frincha da porta da cozinha, inquirindo sobre o andamento das obras-primas que ali iam nascendo das mãos da Rosa e das suas coadjuvantes, em que nos incluíamos sempre. Jamais me lembro de tê-lo visto de avental, ao fogão ou sequer ajudando a trinchar as carnes. Não, nunca. O papel inquestionável do meu pai era o de juíz supremo, à cabeceira da grande mesa da sala de jantar, erguendo ou baixando o polegar às iguarias que lhe iam passando pelo palato. Era um verdadeiro gourmet: comia pouco e muito devagar, saboreando cada pedacinho do que tinha no prato com um deleite visível. O seu lema, que nos repetia sempre que nos mostrávamos impacientes com o arrastar das refeições, era: "À mesa nunca ninguém se fez velho". Hoje percebo-o e concordo com ele, mas na idade em que todos os minutos são poucos para a brincadeira, tanto tempo passado à mesa parecia-nos um absoluto desperdício.
Com estes exemplos, seria de esperar que o meu irmão não se mostrasse minimamente sensível às artes culinárias. Foi um beijamim mimado, um "menino nas mãos das bruxas", como se costuma dizer. Esperava-se o pior: uma atitude naturalmente machista, que decorresse de tantos cuidados e regalias de um principezinho super-protegido. Mas surpreendentemente (ou talvez não), aconteceu o contrário: o casulo confortável e seguro da cozinha, onde passou grande parte da infância, manteve intacta a sua atracção e ele acabou por ser o único de nós a levar a sério a paixão familiar, fazendo um curso de alta cozinha e decidindo-se por essa profissão. É ele que tem ressuscitado algumas receitas de família que já não fazíamos há anos, entre elas esta Marquisette - a melhor e mais sofisticada mousse de chocolate que comi até hoje. Dá algum trabalho, é verdade, mas as coisas boas da vida raramente vêm sem ele. Aqui fica o caminho para a delícia:
1. Torta: 6 gemas de ovos; 6 colheres de sopa de açucar; 1 colher de sopa de farinha 2. Mousse: 250 gr de bom chocolate preto em tablette; 100 gr de açucar; 175 gr de manteiga s/sal (derretida); 4 ovos Torta: Batem-se as gemas com o açucar, depois juntam-se as claras (em castelo firme) e no fim a farinha, envolvendo bem mas sem bater. Vai ao forno em tabuleiro untado. Desenforma-se, enrola-se ainda quente, com a ajuda de um pano húmido, e deixa-se arrefecer. Mousse: Derrete-se o chocolate (em banho-maria ou no microondas) e trabalha-se com a colher de pau até ficar um creme homogéneo. Deixa-se arrefecer um pouco, junta-se o açucar e depois a manteiga (que previamente se bateu muito bem, até ficar em creme), e finalmente as gemas e as claras em castelo. Depois bate-se muito bem tudo isto, com as varas ou batedeira eléctrica, e reserva-se. Corta-se a torta (já fria) em fatias de aproximadamente 1 cm de espessura, e forra-se com elas uma taça redonda, não apertando muito as fatias. No meio deita-se o creme de chocolate e vai ao frigorífico a gelar (o ideal é fazer de véspera, mas pelo menos 4 a 5 horas de frio são necessárias). Desenforma-se sobre um prato redondo e corta-se em fatias a partir do centro. Nota: É uma sobremesa cara e trabalhosa. Mas vale, posso garantir, cada cêntimo e todo o esforço que se gaste nela.
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Cacau Clube de Portugal
O Cacau Clube de Portugal, uma curiosa associação de apaixonados por chocolate de que sou sócia, vai promover já no próximo mês, em parceria com a Câmara Municipal de Cascais, um conjunto de eventos a que chamou O Chocolate em Cascais.
Aqui pode consultar o programa e encontrar tudo o que quiser saber sobre esta saborosa iniciativa. Haverá conferências, exposições, workshops, demonstrações práticas de como se trabalha o chocolate, degustações (esta é a melhor parte...), enfim, uma variedade de eventos que visam promover o chocolate e ensinar as pessoas a conhecê-lo e utilizá-lo melhor.
Vários hotéis e restaurantes aderiram já a esta iniciativa, ajudando a transformar Outubro no mais doce e requintado mês do calendário.
Aqui fica a sugestão, para os que já são amantes do chocolate. Mas sobretudo para os que ainda não descobriram as suas delícias. Convertam-se. Garanto que vale a pena.
quinta-feira, 16 de agosto de 2007
Chocolate dos apaixonados
CONSELHO A UM AMIGO (APAIXONADO ?)
Deixa-te de porquês. O quando, o onde
e o como?… Não mais que literatura!
Despe de vez o medo que se esconde
entre as frias cambraias da lisura.
Ou então não fales de paixão.
Chama-lhe, se quiseres, melancolia.
Que jamais o tropel de um coração
bate ao compasso da diplomacia.
Que sabes tu das ávidas razões
que a razão desconhece? Da contenda
que nem sempre se trava nos salões
e quase nunca tem punhos de renda?
Não aprendeste nada sobre gente?
E Shakespeare, e Mozart, e Fellini?
Alguém te sonha chocolate quente,
enquanto deitas gelo no martini!
1 l de leite; 250 ml de água; 150 gr de chocolate amargo em tablette; 4 colheres de sopa de açúcar; 30 gr de amêndoas peladas; 10 gr de canela em pó.
Derreta o chocolate em banho-maria e junte-lhe o açúcar. Adicione ao preparado anterior o leite e a água, aos poucos, sem parar de mexer. Deixe em lume brando cerca de 5 minutos. Torre as amêndoas no forno e, depois de arrefecerem, passe-as pelo 1/2/3. Junte todos os ingredients com a canela e bata com o batedor eléctrico até ficar espumoso. Sirva imediatamente, em chávenas ou em copos altos que aguentem o calor.
A única condição para que esta receita seja um êxito é estar-se apaixonado.
sexta-feira, 27 de julho de 2007
Alcachofras Tiro-e-Queda
A minha tia-bisavó Mimi dizia que esta entrada de alcachofras era "tiro e queda" para impressionar qualquer homem. O tiro era dela, claro está, e a queda, que se pretendia sem retorno, de um candidato à sua mão.
Era o tempo em que os maridos "se conquistavam pelo estômago", como estratégia para chegar-lhes ao coração (às vezes só à carteira, mas o empenhamento era o mesmo). Acho que ela nunca se teria atrevido a classificar esta receita como "afrodisíaca", nem sei mesmo se saberia o significado da palavra, mas, na defesa do uso desta arma mortífera, era a qualquer coisa com esse sentido que as suas palavras apelavam. A tia Mimi devia ser perita na matéria, porque casou três vezes. Nunca lhe perguntei se usou esta receita de todas as vezes, ou se se terá dado ao trabalho de variar na poção mágica.
Devo acrescentar que ela não entrava na cozinha para confeccionar coisa nenhuma, mas apenas para "orientar" a cozinheira bonacheirona e cúmplice, que a adorava. Mas fazia gala em dizer que, em dias de visitas, não saía nada da cozinha sem passar pelo seu crivo implacável. E a coisa impressionava, porque a gorda Ermelinda cozinhava mesmo muito bem.
A verdade, nada irrelevante, é que a tia Mimi tinha uma preciosa ajuda da natureza: era uma mulher linda, de quem se dizia fazer virar todas as cabeças ao subir o Chiado. Era coquette, divertida e esperta quanto bastasse. Não seria um espírito iluminado e culto, mas não me parece que alguma vez tenha sentido essa lacuna, por si própria ou para chegar aos outros. Sempre impecavelmente vestida (nas melhores lojas de Lisboa ou de Paris), lembro-me de que cheirava a alfazema e madeiras exóticas, odores reunidos numa mistura preparada em exclusivo para ela e que ela própria baptizara de "Vertige". O nome não seria, como se calcula, completamente inocente.
O primeiro marido, curiosamente, morreu de uma congestão. Mas não consta que tenha sido a comer estas alcachofras, já que o seu estatuto de presa estava garantido havia sete anos quando se deu a tragédia. Mimi enviuvou aos vinte e quatro anos, muito a tempo, portanto, de brincar de Lucrécia Bórgia por mais alguns. Três anos depois, cumprido o luto obrigatório, estava novamente casada com um engenheiro de pontes, amigo do primeiro marido e muito solícito na recuperação da viúva. E quando este foi encontrado no fundo de uma ravina, em Angola, pouco mais de dois anos depois do enlace, a tia Mimi chorou algum tempo e depois consolou-se com o jovem médico de família, uma aquisição útil para uma velhice confortável. Teve-a, de facto, porque morreu aos noventa e seis anos e ainda a conheci bonita e doce. Talvez porque, com este último marido, foi finalmente muito feliz.
Anote a fórmula mágica, quem sabe se um dia lhe será útil também: 12 alcachofras pequenas
3 dentes de alho picados
1 limão
200g de presunto em cubinhos
azeite q.b.
sal e pimenta
200g de pinhões torrados
Torrar os pinhões numa frigideira sem gordura e reservar. Tirar as folhas exteriores das alcachofras e cortar as pontas, de cima e de baixo, deixando ficar só as folhas brancas. Esfregar estas muito bem com um limão cortado ao meio, para não escurecerem. Cozer em água abundante, com muito sal, por cerca de 15 min ou até ficarem tenras. Escorrer bem. Refogar o alho, juntar o presunto e depois as alcachofras para aquecer. Corrigir o tempero, se precisar, e envolver tudo, juntar os pinhões e servir quente.
Era o tempo em que os maridos "se conquistavam pelo estômago", como estratégia para chegar-lhes ao coração (às vezes só à carteira, mas o empenhamento era o mesmo). Acho que ela nunca se teria atrevido a classificar esta receita como "afrodisíaca", nem sei mesmo se saberia o significado da palavra, mas, na defesa do uso desta arma mortífera, era a qualquer coisa com esse sentido que as suas palavras apelavam. A tia Mimi devia ser perita na matéria, porque casou três vezes. Nunca lhe perguntei se usou esta receita de todas as vezes, ou se se terá dado ao trabalho de variar na poção mágica.
Devo acrescentar que ela não entrava na cozinha para confeccionar coisa nenhuma, mas apenas para "orientar" a cozinheira bonacheirona e cúmplice, que a adorava. Mas fazia gala em dizer que, em dias de visitas, não saía nada da cozinha sem passar pelo seu crivo implacável. E a coisa impressionava, porque a gorda Ermelinda cozinhava mesmo muito bem.
A verdade, nada irrelevante, é que a tia Mimi tinha uma preciosa ajuda da natureza: era uma mulher linda, de quem se dizia fazer virar todas as cabeças ao subir o Chiado. Era coquette, divertida e esperta quanto bastasse. Não seria um espírito iluminado e culto, mas não me parece que alguma vez tenha sentido essa lacuna, por si própria ou para chegar aos outros. Sempre impecavelmente vestida (nas melhores lojas de Lisboa ou de Paris), lembro-me de que cheirava a alfazema e madeiras exóticas, odores reunidos numa mistura preparada em exclusivo para ela e que ela própria baptizara de "Vertige". O nome não seria, como se calcula, completamente inocente.
O primeiro marido, curiosamente, morreu de uma congestão. Mas não consta que tenha sido a comer estas alcachofras, já que o seu estatuto de presa estava garantido havia sete anos quando se deu a tragédia. Mimi enviuvou aos vinte e quatro anos, muito a tempo, portanto, de brincar de Lucrécia Bórgia por mais alguns. Três anos depois, cumprido o luto obrigatório, estava novamente casada com um engenheiro de pontes, amigo do primeiro marido e muito solícito na recuperação da viúva. E quando este foi encontrado no fundo de uma ravina, em Angola, pouco mais de dois anos depois do enlace, a tia Mimi chorou algum tempo e depois consolou-se com o jovem médico de família, uma aquisição útil para uma velhice confortável. Teve-a, de facto, porque morreu aos noventa e seis anos e ainda a conheci bonita e doce. Talvez porque, com este último marido, foi finalmente muito feliz.
Anote a fórmula mágica, quem sabe se um dia lhe será útil também: 12 alcachofras pequenas
3 dentes de alho picados
1 limão
200g de presunto em cubinhos
azeite q.b.
sal e pimenta
200g de pinhões torrados
Torrar os pinhões numa frigideira sem gordura e reservar. Tirar as folhas exteriores das alcachofras e cortar as pontas, de cima e de baixo, deixando ficar só as folhas brancas. Esfregar estas muito bem com um limão cortado ao meio, para não escurecerem. Cozer em água abundante, com muito sal, por cerca de 15 min ou até ficarem tenras. Escorrer bem. Refogar o alho, juntar o presunto e depois as alcachofras para aquecer. Corrigir o tempero, se precisar, e envolver tudo, juntar os pinhões e servir quente.
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